#65 Sissy (2022)

2022 ficou para trás não faz muito tempo, mas alguns de seus filmes de horror irão persistir com a gente, assim espero. Foi um ano rico e não só em quantidade, mas em qualidade e propostas, muitos deles com realizadoras e roteiristas à frente de vários projetos enriquecendo mais ainda o gênero, como é o caso do filme que escolhi para falar na semana dos melhores de 2022. Não é segredo para ninguém que meu filme favorito do ano passado foi Nope do Jordan Peele, inclusive resenhado aqui por Queops Negronski em 1° de janeiro de 2023, mas como já escrevi sobre ele para o Horrorizadas, resolvi resgatar Sissy, slasher australiano e um dos que entraram na minha lista de favoritos de horror de 2022.

Sissy tem direção de Hannah Barlow e Kane Senes e tem uma sinopse bem simples: As melhores amigas adolescentes, Cecilia (Aisha Dee) e Emma (Hannah Barlow), depois de uma década se encontraram. Mas, claro, que tudo é muito mais complexo, atrativo, revelador e sangrento. Cecilia é uma influencer comportamental e de bem estar de sucesso, tem mais de 200 mil seguidores, cria seus vídeos na maior good vibes, cenário lindo, vende os próprios produtos de meditação e, no entanto, a real é que essa aura iluminada e perfeita é só uma fachada. Sua paz e equilíbrio emocional é só para os vídeos e para as redes, sua casa é bagunçada, escura, suja, comida velha por todo canto, avisos de contas atrasadas na geladeira e a programação da TV é bem duvidosa. Só que para Cecilia, isso não é importante, desde que sua coerência de fachada, as notificações continuem chegando e que permaneça conectada com seus seguidores, tá tudo bem. Vivemos numa época em que curtidas, comentários, visualizações, engajamento, virou moeda de troca e tudo parece ter perdido a naturalidade e ver isso virando narrativa para filmes de terror é bem curioso. 

Toda essa paz aparente de Cecilia começa a desmoronar quando ela encontra sua ex melhor amiga de infância, Emma, numa farmácia. Por algum motivo que ainda não sabemos, ela reluta em ser vista pela amiga e papo vai, papo vem, Emma acaba convidando Cecilia para uma festa num bar e desse encontro resulta num outro convite para a despedida de solteira de Emma num final de semana em que estarão mais alguns convidados. O tom cômico e ácido da trama é a cereja que enfeita esta doce trama de recheio suculento, mas que começa a azedar quando Cecilia percebe aonde está e com quem está. A dona da casa é sua antiga amiga e algoz na escola, Cecilia era chamada de Sissy que também significa “maricas, covarde” e foi num dos episódios de bullying que Sissy se afastou de Emma e das outras amizades, até o fatídico reencontro.

É um filme que trabalha bem a tensão crescente entre as personagens ficando cada vez mais insuportável e culminando numa total ruptura de Cecilia com o mundo, com os valores e regras sociais. Sissy é uma delícia de filme pois além de explorar de uma forma muito fluida questões como bullying, aborda também temas como traumas de infância, saúde mental, máscaras sociais e também de como a geração z enxerga a realidade distorcida. Desde o início e de como a personagem central foi apresentada, a narrativa nos força a tomar seu lado na trama, ficamos completamente empáticos a ela ao ponto de querer protege-la. Cecilia não tinha a atenção que queria do grupo até se darem conta da quantidade de seguidores que ela tinha, ela ganha valor, mas também desdém quando passam a questionar se o que ela faz é honesto, já que não tem a formação necessária.

Não dá pra contar mais do filme porque é aí que mora toda a [des]graça da construção do roteiro, super inteligente por sinal, com um elenco de apoio afiadíssimo, super entrosados e aí impossível não lembrar de “Morte Morte Morte”, outro terror desse ano que traz novas nuances ao subgênero slasher e também aborda uma geração hiperconectada com as redes, só que a meu ver, não tão equilibrado e fluido quanto Sissy, embora Halina Rejin mereça várias atenções pela direção. E aí enquanto escrevia sobre Sissy, a Jéssica Reinaldo, soltou um filme de ano novo que eu não conhecia e tem um plot bem parecido com os dois filmes citados aqui chamado Réveillon Macabro (2019) dirigido pela Sophia Takal. Fiquei bem curiosa para assistir, pois como ela mesma fala no texto, "influenciadores fazendo & se metendo em cagada" é um tema não tão novo abordado no horror.  

É interessante perceber como os diretores e roteiristas são fãs do gênero, eles sabem muito bem o quanto um vilão bem construído e complexo nos fascina por acabar sendo a nossa semelhança em diversos aspectos. Ela é uma pessoa insegura, ansiosa e se torna perigosa à medida que se sente acuada. Me fez pensar muito no quanto e se precisamos realmente da validação do outro ou dos outros que estão do lado de lá da tela e sequer nos conhecem de verdade para nos sentirmos bem? Se ainda não deu uma chance a Sissy, o faça o quanto antes, garanto a diversão.  



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