#69 Flux Gourmet (2022)

E cá estou eu resenhando mais um filme daquele que se tornou meu mais recente diretor favorito, Peter Strickland, esse é o segundo filme dele que falo aqui no 365 e quando acabei de ver o Flux Gourmet, escrevi no letterboxd sobre minha mais nova predileção por ele. Ok que só vi dois longas e um curta dele, mas sem exagero e sem medo de errar, quero acompanhar tudo que ele fizer e correr atrás para ver o que ele já fez. Gosto do estilo ácido e sarcástico misturado com uma aura surreal e um deboche que me faz duvidar se o que estou vendo ali é real mesmo. Imagina você ter num filme Arte, peidos, problemas gastrointestinais, luta de classes, paixão, sedução, vingança e comidas? Sim, isso é basicamente Flux Gourmet, um filme que vai explorar e te exigir vários dos teus sentidos.

Fatma Mohamed é Elle di Elle, ela comanda um trio que faz performances experimentais extraindo sons autênticos e perturbadores de diversos tipos de alimentos num processo conhecido como “sonic catering”. Comidas sendo cortadas, cozinhadas, microfones sendo jogados dentro de copos de sucos ou panelas de molhos, todo tipo de som vindo exclusivamente de comidas, é o que forma esse coletivo que foi selecionado para integrar uma residência artística em uma instituição chamada Sonic Catering Institute, localizada numa mansão com foco em residências coletivas e arte performática culinária, quem dirige o instituto é Jan Stevens (Gwendoline Christie) acompanhada pelo estranho medico Dr. Glock (Richard Bremmer) que adora se divertir envergonhando os outros. Outro personagem que dá todo o tom dramático e bem humorada para a trama é Stones (Makis Papadimitriou), contratado para acompanhar o trio e documentar todo o processo artístico deles, é sob seu ponto de vista que o filme é contado e nesse processo, ele descobre que sofre de um constrangedor problema gastrointestinal que o faz arrotar e peidar todo instante, no processo silencioso de registrar tudo, ele acaba se envolvendo demais com o coletivo o que resulta numa parceria um tanto peculiar.


Eu amo como Strickland desafia termos e gêneros em seus filmes e esse foi um dos motivos de resenhar esse filme como sendo um dos meus favoritos de horror de 2022. Muitos devem ter assistido e se perguntado: mas isso é um filme de terror? O desconforto que sente o personagem Stones com seus problemas, é quase o mesmo que a gente sente assistindo ao filme. Não dá para esperar sustos fáceis, mortes bestas ou assassinos segurando uma faca correndo atrás das pessoas, o horror aqui vem do grotesco ou de alguns elementos estranhos e repulsivos. Essa miscelânea de estilos, temas e abordagens me faz traçar um paralelo com o salpicão, já que estamos falando de comida e digestão, um prato comum de nossa culinária natalina que, falando os ingredientes soltos, nem parece que quando mistura tudo fica uma delicia e uma explosão de sabores e texturas. Peter transforma todo esse mundo todo da arte numa sátira, sem dó nem pena. O trio, que passa o filme todo buscando uma identidade e um nome, parece não ter se acertado quanto ao que realmente querem e isso cresce cada vez mais a tensão entre eles numa parceria que se mistura com o pessoal com histórias envolvendo egos, sexo e críticas constantes. 

Aqui, ele repete mais uma vez parcerias de outros filmes que pelo visto estão dando certo, como é o caso da atriz Fatma e do ator Richard Bremmer, que já fizeram uma dobradinha em Vestido Maldito. A personagem de Gwendoline, para mim, é o destaque e também está incrível como uma diretora durona, exigente, luxuosa e luxuriosa, mas que ao mesmo tempo carrega um olhar condescendente ao entender sobre processo artístico, embora lembre sempre que é a dona da banca e que precisa satisfazer tanto aos patrocinadores quanto ao publico desse tipo de arte. Ela enfrenta também a perseguição de um outro grupo que foi rejeitado no processo seletivo da residência, os telefonemas anônimos em tom de ameaça e até ações misteriosas e perigosas podem ser colocados na conta deste coletivo.

Flux Gourmet é um ACONTECIMENTO, e quem vive diariamente sob a experiência da arte, processos criativos ou até mesmo a relação artistas e instituições, seja qual for, pode se identificar com o filme. E aí trago uma curiosidade do Strickland que soube quando estava pesquisando sobre o termo "sonic catering" e fiquei de cara: ele é membro da The Sonic Catering Band desde 1996, formada logo após experiências alimentares traumáticas que se misturaram a sonhos estranhos envolvendo políticos e vermes. A ideia da banda era fazer uma abordagem que misturasse música eletrônica e comida, pegar sons de cozimentos ou de preparo de refeições, gravar, acrescentar camadas, texturas e logo depois cada membro consumir os pratos. Em 2021 a banda que existe desde 1996 com álbuns lançados, inclusive, anunciou uma pausa por conta da demanda dos projetos pessoais de cada um. O próprio Strickland já participou de eventos e festivais onde discutia como o som da banda influenciou de certa forma seus filmes. 




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