#4 Proezas de Satanás na Vila de Leva-e-Traz (1967)

Quando a ideia desse projeto foi pensada, comecei a lembrar de vários filmes para falar, mas nenhum de fato me chamou. Fiquei angustiada, pois o dia da postagem se aproximava e eu nada de me decidir. Aí, no twitter, o Mundo Freak retuitou um fio que fiz sobre a presença do diabo brasileiro na arte e no cinema e pimba! Claro, por que não? Vai ser Proezas de Satanás!! 

Lançado em 1967 e dirigido por Paulo Gil Soares em sua estreia nos longas metragens, o filme conta sobre a descoberta de uma jazida de petróleo que leva à criação de uma cidade pré-fabricada e progressista, fazendo com que o vilarejo de Leva-e-Traz fique meio que abandonado só morando agora velhos, mulheres, crianças e deficientes físicos. Até o padre resolve ir embora levando consigo a santa padroeira e aí todos começam a temer que esse vazio da santa dê espaço para o diabo fazer morada. Neste momento, surge um forasteiro que se apresenta como Chico Amansa Alma (Joel Barcellos), que tá descansando no cemitério e escuta alguma coisa. Ele acha que tem o poder de enfrentar a suposta alma penada, só não esperava que a tal alma fosse o todo poderoso senhor do chão, Satanás (Paulo Broitman). 

É aí que a coisa se desenrola e os que sobraram em Leva-e-Traz, pedem a ajuda desse cavaleiro que, para surpresa de todos, se transforma em bode, depois em sapo e em seguida num homem negro interpretado por Zózimo Bulbul. Ele faz vários desafios aos habitantes e zomba deles ao mesmo tempo em que é uma figura tentadora e se utiliza disso para fazer seus milagres. Ele cura doentes e presenteia o anão Carlão com o corpo e altura que ele tanto queria. Também faz “nascer” um braço em Calixto, o homem de um braço só vivido pelo ator Emmanuel Cavalcanti, e devolve a visão para Cartola, o violeiro cego (Joffre Soares). 

Nessa altura todos já sabem a verdadeira face do cavaleiro, mas já estão rendidos ao sedutor bafo de enxofre e, assim, Satanás conquista a vila com suas peripécias. E ela progride. Todos desejam Leva-e-Traz, que vira alvo de políticos mal intencionados e aproveitadores. Satanás é convencido a sair candidato à presidência da república, só que o encanto se desfaz, e a cidade que conhecera o progresso e fartura, volta a ser aquele lugar miserável de outrora. Tudo isso acontece na companhia da voz de Caetano Veloso que ficou responsável pela trilha sonora, com voz e viola, numa clara homenagem ao estilo cancioneiro popular sertanejo e nordestino.

Pra mim, foi uma grata surpresa saber da existência desse filme e foi graças ao curso de cinema de horror brasileiro com Carlos Primati, o qual aborda justamente os filmes diabólicos além de Zé do Caixão. 

Proezas de Satanás tem uma narrativa fluida e as vezes parece que a gente tá dentro de um livreto da literatura de cordel. Ainda sobre o filme, ele faz parte do Movimento Cinema Novo, que fala de questões como igualdade social, muito disso influenciado por dois movimentos estrangeiros: o neorrealismo italiano e a New Wave francesa. O discurso sócio-político e a crítica ao CAPETAlismo de Proezas... é ousado para a época, já que o Brasil vivia sob um forte regime de repressão. Outro destaque sobre esse filme é como a figura do diabo é representada, sendo uma das poucas em filmes nacionais em que o coisa ruim adota a forma animal — como falei mais acima, ele se transforma em bode e em sapo. 

Mesmo o filme estando definido como comédia no IMDb, a presença do sobrenatural num ambiente rural mais a presença da figura monstruosa como o demônio, nos obriga a pensar que Proezas... é sim um filme de gênero por abraçar o fantástico/horror. Vale citar também que ele foi mencionado no ótimo documentário Woodlands Dark and Days Bewitched: A History of Folk Horror (2021, Kier-La Janisse).

É isso, pessoal, por hoje é só. Assistam Proezas, assistam horror nacional e até a próxima!