#33 Desafio do além (1963)


Recentemente reli o livro A assombração da casa da colina da Shirley Jackson, uma das minhas autoras preferidas. Aproveitei para rever o filme Desafio do além, que foi inspirado na obra. Curioso que nessa revisão ele caiu uma estrelinha no meu conceito, e ainda assim, passei a gostar mais dele. Explico: ver o filme logo depois de ler o livro torna inevitável a comparação, principalmente na questão do clima que Jackson cria. Mas vou tentar focar apenas no filme, senão seria injusto. 

A direção é de Robert Wise, também conhecido por Amor, Sublime Amor e A noviça rebelde. Aí a gente pensa "nossa, e como ele foi fazer algo de terror?". Então olhamos sua lista de trabalhos e vemos filmes como As duas vidas de Audrey Rose, baseado em livro de mesmo nome de Frank De Felitta. 

Dr. Markway é um homem interessado no sobrenatural e no efeito que ele causa da saúde mental das pessoas. Por isso, ele decide fazer um experimento. A ideia é alugar uma casa dita mal-assombrada, convidar pessoas a ficarem lá com ele e estudar seus comportamentos. Ele foi atrás de vários candidatos que já tinham passado por experiências com o oculto, mas apenas duas pessoas respondem ao convite: Eleanor Vance e Theodora. A dona da casa também sugere que um membro da família esteja lá, então Luke Sanderson, sobrinho dela, se junta ao estudo. 

A casa carrega várias histórias mórbidas, mortes sem esclarecimento, suicídio e isolamento. O grande ponto da obra é deixar sempre a dúvida no ar, estariam as pessoas com medo por causa do que ouviram ou realmente há presenças sobrenaturais ali? Uma das explicações mais lógicas é que a casa foi construída toda torta, não há um cômodo que tenha medidas corretas. Isso seria o motivo da vertigem que sentem ali? E das correntes de ar que surgem do nada?

Eleanor Vance é uma mulher bastante solitária, reprimida e passou quase que toda sua juventude cuidando da mãe inválida. A relação das duas era bastante conturbada, e quando a mãe faleceu, veio o peso da culpa. Ela recebe o convite para a casa dois meses depois do falecimento, e vê a oportunidade de escapar de seu mundo limitado. Já Theodora é uma mulher independente, fascinante aos olhos de Eleanor. Em alguns momentos ela parece querer estar perto de Theo, em outros, querer ser ela. 

Eleanor nunca cultivou relacionamentos afetivos, ela não sabe como se portar e em vários momentos acaba repelindo as pessoas da casa. O Dr. Markway se preocupa com ela, demonstra carinho, de tal forma que confunde os sentimentos de Eleanor. Não é dito explicitamente em nenhum momento, mas Theodora parece ser uma mulher lésbica. Inclusive, há uma história de que queriam colocar no filme uma cena dela brigando com a namorada, e saindo para a temporada na casa da colina. Mas o ano era 1963, acharam melhor evitar esse tipo de conteúdo. 


Começam os acontecimentos estranhos na casa. Estariam eles apenas na imaginação de Eleanor? Aos poucos ela começa a perder o contato com a realidade e colocar a si mesma em risco. As pessoas querem que ela vá embora, que volte para sua casa, mas ela não tem mais um lar. Ao mesmo tempo que ela teme a casa da colina, ela se sente atraída a ela e sente que lá é o seu lugar. 

Shirley Jackson tinha uma família e uma carreira, numa época em que isso era pouco comum. Suas personagens são quase sempre mulheres solitárias, estranhas, repelidas pela sociedade. Não é a toa que esta é considerada sua obra mais importante. Todos os detalhes estão ali. E Robert Wise conseguiu transportar isso para o cinema de uma forma bastante interessante. 


Curiosidade 1: Robert Wise se encontrou com Shirley Jackson para falar sobre o roteiro. Ele comentou que o nome original da obra, The Hauting of Hill House, não funcionaria para o cinema. Ela deu a sugestão de ficar apenas The Haunting, e ele aceitou.

Curiosidade 2: O livro foi adaptado para o cinema de novo em 1999. Lembro de já ter achado meio ruim na época. E recentemente teve a série da Netflix, que não tem nada a ver com o livro. 

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