#63 NOPE (2022)

Direção, roteiro e produção: Jordan Peele

Oriundo de exitosa carreira no humor, em particular com o duo Key and Peele, uma parceria com o ator, roteirista, comediante e produtor Keagan-Michael Key para o Comedy Central que em vários momentos se utilizou do horror como metáfora para mazelas sociais, como o excelente "White Zombie" de 2012, por exemplo, onde pessoas negras escapam ilesas de hordas de mortos-vivos simplesmente... porque são negras. Nos sketches da dupla é perceptível um olhar afiado que também se utilizava do humor como um canal para denunciar desgraças e situações aberrantes. Em 2017 o diretor debutou no cinema com Corra!, um filme de cientista louco que trabalha a paranoia racial de brancos (em sua maioria) endinheirados que fazem da vida de um jovem fotógrafo negro um inferno, com recortes e sutilezas que permeariam toda a sua obra. O filme ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original. Em Nós (2019), seu segundo filme, uma família se vê confrontada por seus duplos malignos durante as férias de veraneio, numa história com subtexto sobre exclusão social habilmente amparado com bons momentos de tensão e uma das reviravoltas mais interessantes que já vi. Já nesses dois filmes percebemos que Jordan Peele não é um autor que possa ser enjaulado ou colocado numa caixa, o olhar do homem vai longe, ele é cinema, ele quer cinema e cinema dos bons é o que ele nos dá. Em conversas com amigos e amigas costumo dizer que a maior referência nos trabalhos dele é o cinema em si. Vemos sim, ecos de outros autores e estilos em seus filmes, mas, Peele tem identidade própria, sabe o que faz, nada no trabalho dele está à toa e fiel a esse espírito, o diretor lançou no recém finado ano de 2022 o melhor filme de gênero lançado naqueles doze meses e um das melhores ficções científicas da história. Sim, isso mesmo.

Se em seus trabalhos anteriores o homem já mostrava a que veio, em Não, Não Olhe! ele nos oferta uma história que pode parecer banal no primeiro olhar, mas, que se revela tão intrincada quanto simples, revisões do filme  provam que o mesmo é uma das obras mais perfeitas já feitas, sem a mínima intenção de reinventar a roda, apenas contando uma história fluida onde, passados apenas alguns minutos, percebemos que algo bastante estranho está acontecendo ali. No início, somos apresentados a Otis Senior (Keith David) e seu filho OJ (Daniel Kaluuya), os Haywood, uma família que comanda uma tradicional empresa de treinamento de cavalos para cinema desde os primórdios de Hollywood e que, apesar da credibilidade no mercado, já viu dias melhores. Do nada, no que era mais um dia de trabalho na fazenda, pequenos objetos começam a cair no chão, acompanhados de gritos pavorosos vindos do céu. Otis é atingido e morre pouco depois, no hospital, em decorrência do ferimento, uma moeda que lhe atravessara o crânio, alojando-se no globo ocular e como desgraça pouca é bobagem, seis meses depois, num incidente com um de seus cavalos enquanto trabalhava num set de filmagens acompanhado de sua irmã Em (Keke Palmer), os Haywood veem suas chances na indústria descerem pelo ralo. Com contas a pagar e com o horizonte financeiro tempestuoso, os irmãos, sob promessa de poder comprá-los de volta, vendem alguns de seus animais a Jupe (Steve Yun, de The Walking Dead), dono de um parque temático e ex-estrela infantil de sitcom perseguido por uma história trágica: o chimpanzé com o qual contracenava surtou durante as gravações, matando várias pessoas no estúdio e mutilando horrivelmente uma companheira de elenco.

Esses arcos aparentemente díspares aos poucos se mostram indissociáveis um do outro quando os irmãos, ao investigarem uma aparição que ronda os céus ao redor se veem frente a um perigo impensável. Se abri esse texto tecendo merecidas loas ao diretor, louve-se a escolha do elenco feita pelo mesmo, a começar por Kaluuya, que já trabalhara com ele em Corra! mais uma vez mostra o incrível ator que é, entregando-nos OJ que em nada lembra Chris, personagem do filme de 2017. Comedido e com silêncios e expressões que gritam alto como o Big Bang, OJ é riquíssimo em suas dores, esperanças e decepções. Em sua companhia, Keke Palmer, atriz com mais de vinte anos de carreira cuja boquirrota Emmerald equilibra à perfeição a balança familiar que se vê acrescida por Angel (Brandon Perea), vendedor de uma loja de eletrônicos que acredita que "a verdade está lá fora" e acaba por se tornar companheiro de aventuras dos irmãos no combo de misérias que se desenrola nas pouco mais de duas horas de duração, com direito a gritos de dor singrando o céu e um literal e assustador banho de sangue.

Em Não, Não Olhe! Jordan Peele prova pela terceira vez que é uma caixa de surpresas, faz o que quer, da maneira que lhe apetece e neste caso em particular, com um filme de espetacular simplicidade feito com capricho cujos detalhes estão entre as coisas mais finas já projetadas em telão. Outro ponto para o diretor é o elenco diverso com pessoas negras, latinas e asiáticas destoando dos clichês com os quais geralmente são tratados em filmes, sejam eles de gênero ou não, numa criativa história de disco voadores contada de peculiar e rica maneira.


Longa vida a Jordan Peele. Viva o terror!!! VIVA O CINEMA!!!

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