#159 Huesera (2022)

 


La Huesera é uma lenda mexicana sobre uma mulher que recolhe ossos no deserto. Ela coleciona todo tipo de ossos, mas principalmente de lobos. Quando ela consegue montar um esqueleto completo de lobo, ela canta até que ele volte à vida. O lobo corre até se transformar em uma mulher que corre livremente. Essa história é maravilhosa, só me arrepia quando entra naquela coisa de Mulheres que correm com os lobos. 

Michelle Garza Cervera resolveu fazer um filme de terror sobre essa lenda e acertou completamente. Eu não estava esperando muito do filme, e me vi diante de algo fascinante. Neste longa Valeria é uma jovem casada com Raul, aquela vidinha perfeita, eles tentando engravidar. Quando ela finalmente consegue, não aguentam de tanta alegria, porém as coisas ficam estranhas. 


A começar que Valeria é artesã, faz móveis. Seu marido trabalha fora, mas tem uma espécie de estúdio em casa. Advinhem qual cômodo vai virar o quarto da criança? Claramente a oficina dela. Ela desiste de seu trabalho porque ele é perigoso para uma criança. Enquanto arrumava a oficina ela encontra uma caixa com seus livros, discos e zines da juventude. 

Descobrimos que Valeria era do rolê punk feminista e queer, tinha uma namorada, Octavia, com quem tinha vários planos, mas decide deixar tudo de lado para fazer faculdade. Ela havia perdido o irmão um tempo antes, e não queria deixar a família. Corta para anos depois, ela casada com um homem, pronta para ser mãe. 



Num almoço na casa da família, Vero, irmã de Valeria, questiona essa vontade dela de ser mãe. Diz que ela nunca gostou de crianças, que nunca sequer abraçou os sobrinhos. Num reencontro, Octavia também questiona essa nova vida de Valeria, se era algo que ela realmente queria. 

A gravidez não é fácil. Ela começa a ter alucinações, tem sempre a sensação de que alguém está na casa. O marido não tem paciência alguma com ela, a sogra é condescendente, então só resta pedir ajuda à sua tia, a solteirona que vive à margem da família. Valeria é levada para ser benzida, mas a moça a adverte: se as coisas não melhorarem, ela precisa de uma ajuda mais poderosa. 

Valeria segue com a gravidez atribulada e cheia de medo. Se envolve novamente com Octavia e se distancia cada vez mais de Raul. Ela foi a um rolê punk atrás de Octavia e elas discutem, até que Valeria entra em trabalho de parto. Dali em diante as coisas só pioram. Ela está vivendo uma depressão pós-parto, não quer olhar para sua filha, não quer amamentar. 


Valeria se torna um perigo para a própria filha. Ela se lembra do conselho da benzedeira, de procurar uma ajuda mais potente. Assim ela participa de um ritual bastante intenso (e de certa forma macabro) que parece ser a única saída. 

Posso estar exagerando, mas esse deve ser o melhor filme de terror sobre maternidade que já vi. A cultura latino-americana é cheia de lendas, de mistérios e de milagres. Ver uma mulher trabalhando essa cultura no meu gênero preferido é algo muito interessante. Claro que podemos dizer que é tudo uma metáfora para a depressão pós-parto, aquela coisa de se arrepender das escolhas da vida adulta, mas o que me pegou aqui foi o final. 


E de uma forma bastante positiva. Eu não esperava que as coisas tomassem esse rumo, ainda mais na nossa cultura que costuma ser bastante centrada na figura da mãe (e de todas as santas). Achei uma escolha muito corajosa e acertada da diretora. 

Huesera é um filme sobre muitas coisas, é feminista, é de terror, é punk, é queer, é incrível. Estou escrevendo esse texto pouco tempo depois de assistí-lo e posso estar emocionada, mas essa é a real. Ano passado foi Piggy, neste é Huesera.


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