#182 El Prófugo (2020)


Histórias para além do sangue, sustos, dilacerações e tripas sendo contadas e direcionadas para um público especifico. Medos sendo reconfigurados quando se muda o olhar de quem está agora contando estas histórias. Como disse Margaret Atwood certa vez: “As mulheres são seres humanos, com toda a gama de comportamentos santos e demoníacos que isso implica”. Nem santa, nem bruxa, como passamos a ser vistas durante décadas pelo gênero, porém abrigando agora todas em uma só. Mesmo que uma gama delas ainda fique relegada aos estereótipos, é o terror, esse gênero plural, que abraça cada vez mais essas demandas sociais de medos e angústias que pertencem aos mundos femininos, ou de raça, ou Queer, ou de qualquer outra minoria representativa. 

El Prófugo, dirigido pela argentina Natalia Meta, acompanha a jornada de Inés (Erica Rivas), uma dubladora e vocalista de um coral que sai de férias com Leopoldo (Daniel Hendler), seu possível futuro companheiro. A relação dos dois já é mostrada problemática ainda no avião, e tudo se intensifica quando eles estão no quarto do hotel e Leopoldo começa a questioná-la com perguntas bestas que fazem Inés perder a paciência. Ela se tranca no banheiro enquanto o rapaz insiste para ela abrir a porta. De repente ela ouve como se fosse uma discussão lá fora e não mais se ouve a voz de Leopoldo. Ele aparece morto na piscina do hotel e sua morte é dada como suicídio.

Após essa passagem traumática, Inés tenta seguir a vida, mas algo nela mudou. Não consegue mais dormir direito e começa a tomar qualquer tipo de remédio que qualquer pessoa passa para ela. Suas dublagens também passam a sofrer interferências de sons estranhos os quais ninguém consegue identificar.  Sua voz também começa a falhar e isso para uma pessoa que trabalha exclusivamente com voz, é o verdadeiro horror. 

Inés não tem ideia do que se passa em sua vida e nem sabe mais se vive o mundo real, dos sonhos ou da imaginação. Um dia ela chega em casa e uma vizinha pede que ela não faça barulho ao caminhar no apartamento, só que Inés avisa que ela além de não estar em casa, mora só. No entanto, um dia de repente, sua mãe (Cecilia Roth) aparece no seu apartamento e as duas passam a morar juntas. No ensaio do coral, ela conhece Alberto (Nahuel Pérez Biscayart), um jovem que também aparece do nada, mas se adapta rápido ao cotidiano de Inés sem questionar ou se incomodar com nada. Mesmo seguindo a vida com Alberto, com sua mãe, seus trabalhos, Inés não consegue relaxar da iminente ameaça que a persegue. É quando uma companheira sua de trabalho, também dubladora, porém mais velha e de cabelos grisalhos, diz que o que Inés tem são intrusos que chegaram até ela por um pesadelo e que os teria convidado para ficar dentro dela.

Erica Rivas como a protagonista aqui consegue de uma maneira incrível misturar os medos de Inés com momentos cômicos e ainda dar uma aura de terror crescente de esquizofrenia a personagem. É maravilhoso ver as nuances de sua expressão corporal e ela carrega de forma perfeita praticamente o filme todo. Sua personagem busca soluções para o problema e quer interromper as visitas constantes desses intrusos, mesmo não sabendo quem são e ela passa a desconfiar de todos que a cercam. 

No entanto, quando o filme parece que vai tomar um rumo mais resolutivo e menos sugestivo, ele acaba. Não vou dizer que é um filme que eu tenha adorado, até porque ele tem camadas e nuances as quais não consegui pescar nem alcançar. talvez numa revisão, quem sabe? Ainda assim, é um filme que merece ser visto por toda importante discussão que traz e pelo destaque que a produção teve em ter sido um dos estrangeiros selecionados para representar a Argentina no Oscar.

Natalia Meta, nascida na Argentina, é filosofa, cineasta, roteirista, produtora e editora. Seu primeiro longa-metragem foi em 2014, um filme chamado Morte em Buenos Aires, seguido de El Prófugo, inspirado levemente no romance de terror The Lesser Evil de C E Feiling de 1969 que me deixou bem curiosa para ler.. O longa estreou no Festival Internacional de Cinema de Berlim e é com ele que encerramos o especial de abril com filmes de diretoras. Obrigada a quem acompanhou até aqui e nos aguardem, voltaremos com mais um mês de especial. 



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