#347 As Boas Maneiras (2017)

As pessoas costumam dizer que se tem uma criatura que não tem sorte em ser retratada no cinema, é o lobisomem. Ele, ao contrario do vampiro, das bruxas e dos demônios, tem exemplares magníficos que são incontáveis aos dedos das duas mãos, até pode ser exagero dizer que a criatura licantropa é tratada com desleixo e filmes como Ginger Snaps (2000), Dog Soldiers (2002), Um Lobisomem Americano em Londres (1981), entre alguns outros, são ótimas produções e estão entre os meus favoritos. Aqui no Brasil temos As Boas Maneiras como um outro filme que entra fácil nos meus tops de lobisomens.

Lançado em 2017, dirigido por Juliana Rojas e Marco Dutra, As Boas Maneiras abraça uma mistura de gêneros que inclui terror, fantasia, drama e elementos de fábula. Sua trama gira em torno de Clara (Isabél Zuaa), uma enfermeira que é contratada por Ana (Marjorie Estiano), uma mulher rica e grávida que vive sozinha em um elegante apartamento em São Paulo. No entanto, à medida que a gravidez de Ana avança, comportamentos estranhos e sobrenaturais começam a acontecer, e Clara descobre que há algo obscuro e misterioso que cerca a criança que está prestes a nascer.

Contado como feito para parecer duas histórias distintas, mas que permanecem conectadas, sendo o amor e a superação entrelaçando as duas tramas. Na primeira parte temos o amor entre duas mulheres que nasce das adversidades, do cuidado e das confissões. Já a segunda, o amor e cuidado entre uma mãe e um filho que guarda um enorme e cabeludo segredo perante a comunidade em que mora. É até raro ver um filme em que aborda a licantropia na infância, já que geralmente os lobisomens são usados como metáforas para maturidade ou descobertas de personalidade e sexuais.

Gosto muito como Juliana Rojas e Marco Dutra trabalham questões sociais em seus filmes e aqui, não é diferente pois ele também lida com temas de desigualdade social, maternidade e preconceito. Mas, também tem outra coisa que As Boas Maneiras trabalha e que funciona muito bem como recurso narrativo: o som e a música. As musicas no filme são usadas várias vezes como recurso sugestionável para substituir diálogos, longe de ser um musical como o encantador Sinfonia da Necrópole (2014), a música em As Boas Maneiras funciona de uma forma mais intensa e até como construção e identificação de personagens. Acho que dialoga muito bem com a proposta fantástica e fabulesca do filme.

No entanto, mesmo abraçando a fantasia e a fábula, esse filme de lobisomem evoca muito nele uma parte real, que é lidar, esconder e proteger um lobisomem que é uma criança vivendo numa comunidade em área urbana e que ainda está aprendendo a lidar com diversas emoções e vontades. Assim como outros, ele também tem a lua cheia como seu gatilho de transformação, mas ele tem uma protetora que está sabendo muito bem lidar com isso. Isabél Zuaa como a mãe da criatura, está excelente. Clara demonstra toda sua intensidade, amor e coração para com a criança e fará de tudo para protege-la, mesmo que acabe custando a própria vida.

As Boas Maneiras é basicamente isso, um conto contemporâneo de horror de lobisomem, que subverte a maioria das narrativas heteronormativas já contadas, mas que bebe também nas raízes folclóricas brasileiras. Ao final, a gente acaba com aquela sensação de que muitas histórias sobre monstros e criaturas ainda precisam ser contadas. 





Comentários