#350 Canto dos Ossos (2020)

“Uma pena me convidarem apenas para a despedida, mas os monstros eram eternos. Desejava fazer parte deles, parte de seu interior esquecido, seu interior escuro, sombrio e transformador”.

É muito gratificante poder observar como o cinema brasileiro de gênero vem crescendo e tomando formas próprias. Somos o lugar em que se identifica uma imensa pluralidade de estilos, temas e abordagens do fantástico/horror. Isso só prova o quanto criativo e carentes de novas histórias somos, tendo orçamento ou não, a vontade de fazer e dar certo é maior. Alguns realizadores brasileiros conseguem imprimir uma certa identidade em suas obras, como no cinema de horror feito no Nordeste, por exemplo. É bem perceptível uma determinante e exagerada liberdade de temáticas e abordagens. E que bom! 

Em Canto dos Ossos, filme cearense de 2020 dirigido por Jorge Polo e Petrus de Bairros temos as aventuras e desventuras de "duas amigas monstras" que tomam rumos diferentes na vida. Naiana vira professora de literatura numa escola pública. Diego, vive suas experiências noturnas num outro canto bem longe de Naiana. Uma trama que aparentemente parece simples, mas é carregada de simbolismos usando seres vampirescos como metáfora, só que não o vampiro mitológico e tradicional que acostumamos a ver, aquele pomposo, rico, sedutor de indumentária impecável e fala mansa. Não mesmo. Aqui, temos personagens comuns, urbanos e periféricos, bem mais próximo de nosso dia-a-dia. É a professora da escola, o atendente de farmácia, a manicure, a aluna que gazeia aula pra fumar um beck ou planejar futuros na beira da praia. É muito mais como aquela turma de bairro que se conhece há anos e se juntam pra bater um papo, tomar umas cervejas e aprontar umas quando chega a escuridão. E é na penumbra, que toda a monstruosidade vem à tona, junto com muito sangue, gore e claro, erotismo. Isso foi o que mais me atraiu em Canto dos Ossos, essa mistura de fantasia grotesca com realidade.

É um filme tão fora das convenções, misterioso e cheio de vontade que até as possíveis “falhas”, acabam se tornando um charme. E convenhamos, a jornada dessas criaturas monstruosas é o que mais me instiga nessa trama, assim como a experiência sensorial e estética cheia de camadas e texturas que é Canto dos Ossos. A história ainda envolve uma trama de cunho sobrenatural que te faz questionar quem são os verdadeiros monstros nessa odisseia tropical vampiresca, além, claro, de texto queer, quando mostra a homossexualidade por uma perspectiva monstruosa, além da já criatura chupadora de sangue. 

A trama ainda conta com texto de fundo narrado pela atriz Noá Banoba que aparece, inclusive, numa determinada hora como a “monstra chefe” e torna a experiência de assistir Canto dos Ossos bem mais imersiva, pois parece querer que nos tornemos cúmplices nessa angústia de um ser monstruoso que ao mesmo tempo que perseguem a vida eterna, têm que tá o tempo todo fugindo de uma sociedade que nunca para de persegui-los. O nomadismo dos personagens perante uma sociedade que os rejeitam.





P.S.: Esse texto foi foi postado originalmente no blog Horrorizadas em 22/01/2021 e repostado hoje com algumas pequenas edições.


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